(por AL em recordações de guerra) – A zona para onde íamos era remota, mesmo naquele país quase inominado. No carro, Jim, o motorista a meu lado. Lá atrás as tendas (duas como manda o recato) e um tubo de rações militares graciosamente cedido pelos militares de um país que ali assegurava a “manutenção da paz”. Colado de fora do tubo um impresso, em inglês, com o conteúdo do mesmo. Leio em voz alta antecipando o repasto que nos iria agraciar a chegada. Poucos artigos familiares e muitas latas de nome exótico, que ambos desconhecíamos e sobre cujo sabor especulávamos. No meio de tanto exotismo e entre a familiaridade do café instantâneo, do leite em pó, das barras de cereais, das bolachas, chá e açúcar, destacava-se – M&Ms. Excuse me? M&Ms? Brilham-nos os olhos de alegria – são melhores que as Smarties, não são? – e começa a brincadeira da disputa: terão os azuis? Os encarnados são para mim! Nada, vamos dividir isso bem! Não querias mais nada? Dois terços para mim e se não cairmos nos próximos dez buracos um terço fica para ti. Ai não senhora! Se nos cruzarmos com uma viatura militar são todos para mim; se for civil são todos para ti. E se for uma coluna? Aí jogamos ao papel, pedra, tesoura. Nã, nã, nã, que eu perco sempre nesse jogo. E por entre larachas, disputas e recordações de infância, fomos entretendo a monotonia da estrada. Mas sempre, sempre antecipando os M&Ms que nos aguardavam, tão lindos, tão saborosos, tão coloridos, tão doces, tão bem guardados no tubo da ração militar.Esquecidos estavam o desconforto em que iríamos passar as próximas semanas, o calor, os mosquitos e até, oh benção das bençãos!, as latrinas! Afinal tínhamos M&Ms!, um luxo inigualável no mundo de enlatados em que vivíamos.Chegamos ao destino, falamos com os chefes da comunidade, montamos as tendas recatadamente distanciadas, juntamos uns galhos, fazemos um fogo e vasculhamos no tubo o seu conteúdo. Primeiro sinal de alerta: Jim, tiraste os M&Ms? És sempre a mesma, diz-me ele, vá diz lá onde os escondeste. Não!, a sério! Não os encontro! O Jim começa a suar. Tens a certeza? Vê lá bem, afinal não é uma embalagem muito grande... Despejamos tudo. Eu com a lista e ele repovoando o tubo artigo a artigo: queijo? sim; puré de batata instantâneo? sim; leite condensado? sim! No fim dos sins um único não – o dos M&Ms! Olhamos desolados um para o outro: tiraram-nos os M&Ms! diz o Jim com voz alterada; Tiraram-nos os M&Ms, sussurro eu desolada... Invadidos por um profundo sentimento de traição, sentamo-nos e comemos desconsolados e em silêncio a porcaria das rações.Nesse dia aprendemos a lição do valor das pequenas coisas no adoçar da vida. E, claro, que a vida sem M&Ms não é a mesma coisa!
(por AL agradavelmente surpreendida) - Vamos ao lançamento de um disco, diz-me o meu amigo M. Desconfiada pergunto que disco? É de fado. Hmmmm, digo eu desconfiada, não gosto de fado. Lá estás tu com as tuas coisas! Não, M! A sério! Quer dizer, para mim fado e bacalhau estão ao mesmo nível: se há, posso comer e até gostar; se não há, não me faz diferença e não tenho saudade. Deixa-te disso e anda daí. Lá fomos os dois até à FNAC no Chiado. Sala pequena a abarrotar de gente e um calor de morrer. No palco, os músicos. Entra então o Marco Rodrigues, lindo, lindo, lindo de morrer. Comecei a ficar rendida! Com uma carinha laroca daquelas nem precisa de cantar muito bem, penso eu. Sorriso rasgado e sincero, o Marco apresenta-se, senta-se com viola no colo. Uma voz linda, segura, melodiosa, de veludo; os fados lindíssimos; as letras magníficas! Saí rendida! O disco chama-se “Tantas Lisboas” e já está à venda “nas lojas da especialidade”. Aqui fica uma amostra e digam lá se eu não tenho razão. Cliquem no link e ouçam:
Ausencia por MARCO RODRIGUES.
(por AL em hipotético matabicho) –
Vencida que foi a primeira batalha do dia – o trânsito de Lisboa pós-silly season – chego ao outro lado do Tejo. Tomo então o meu pequeno-almoço na varanda guardada pela buganvília. Meio saciada da fome que tinha de ti, tudo parece saber melhor. Pão com manteiga e café com (de)leite revelados pelo
umami da tua noite. Na essência dos sabores, o sabor da tua essência na minha boca, no meu corpo, no meu pequeno-almoço comido na varanda guardada pela buganvília.