Segunda-feira, 31.10.11
Ah como gostávamos delas! Como nos revíamos nas suas conversas! Como se pareciam connosco quando em conversas de mulherio nos juntávamos…Elas, claro, em Manhattan, com Starbucks nas mãos e Blahniks nos pés; nós, na Benard, com calçado anónimo e a chavenar Tetley. Mas falávamos do mesmo: homens, amor e sexo. Quem eles eram; onde paravam e o que faziam; como beijavam; se eram bons na…? Sim, admito que trocávamos notas e que passávamos, a elas notas e a eles homens, umas às outras.Ai, com esse não que andas a perder tempo; é só fachada! Esse? Hmmm, dei-lhe uma vez um beijo e não foi nada de especial… Aquele ainda tem muito que aprender; se tiveres pachorra… Tem cuidado que esse é um predador emocional! Não posso acreditar que ele te disse isso! Não vão acreditar com quem eu estive ontem e no que trago para contar! ...E debatíamos as ansiedades das etiquetas com o telefone; do que faço quando o vir outra vez?; do que acham que ele quis dizer quando…?; e das interrogações perplexas do já alguma vez estiveram com um que…Continuávamos pela tarde fora em conversas de bravata a desfolhar proezas; ou em conversas de desgostos amargos, a sarar feridas com a raiva vingadora das amigas; ou em conversas de sonhos de vida eterna que nem as certezas delas conseguiam resguardar do descalabro que aí vinha. Todas nós nos revíamos na Carrie, na Miranda, na Charlotte e na Samantha. E tínhamos também o nosso Mr Right para mal dos nossos pecados; cada uma o seu - Wrong em todos os aspectos menos na ilusão. Eu deleitava-me nessa cumplicidade que me acolhia depois das prolongadas ausências por terras alheias, onde via a série por atacado e com a qualidade dúbia dos videoclubes locais. Reconfortava-me esta cumplicidade, devolvia-me o sentido de pertença depois de meses a ser estrangeira em mim. Deixava-me entrar de mansinho no quotidiano não partilhado das outras e afastava-me daquilo que com elas não conseguia partilhar. Assim, estilo calçadeira para amizades interrompidas.Cada uma tinha a sua favorita e eu venerava a Samantha e os seus toy-boys! A verve com que ela os agarrava, usava e descartava! Aquilo sim é que era pinta! E ainda para mais, desbocada:
Well, I don’t know how you people do it. All that emotional chow-chow. It’s exhausting.If we could perpetually do blowjobs to every guy on earth, we would own the world. And at the same time have our hands free.Nós, e penso que muitas outras como nós, adorávamos o Sex and the City. Era como um espelho da nossa emancipação e da nossa sexualidade; assim estilo
flower-power finalmente casado com o Faubourg de Saint-Honoré. Para nós, foi o corte final com o mito da imagem em proporção inversa ao intelecto. Agora podíamos ser inteligentes, cultas e profissionais, mas também bonitas, depiladas, arranjadas, coquettes e fúteis. Mafaldinhas no corpo da Jessica Rabbit. Quase chorámos quando a série acabou! Chorámos pelo fim e por causa do fim. Onde é que já se viu! Não nos caíu nada bem que a palonça da Carrie andasse feita dama das camélias por Paris (embora o cenário fosse o adequado); que o palerma do Mr Right, depois de tudo o que lhe fez, fosse a correr com um ramo de flores (digam lá se há cliché mais piroso!) e, juntando insulto a injúria, a atolantada derrete-se que nem rebuçado em boca de bébé a começar a dentição! Valha-nos deus! Arruinaram anos, ouviram?, anos fabulosos com este fim bacoco e serôdio!Depois apareceu o filme. Fomos vê-lo juntas. Mais maduras agora, estabelecidas noutros sonhos e noutras heroínas. Com feridas de guerra e outras guerras para lutar. Mas ainda unidas pela cumplicidade desses anos. Lá metemos agora sim os Blahniks na calçada da memória e por ela nos deixámos escorregar. Hélas, a desilusão do último episódio sagrou-se com o filme. Não que fossemos à espera de um fino recorte cinematográfico, mas ao menos UMA, UMA daquelas conversas fabulosas à la Charlotte a descrever um loverboy não circuncidado:
Tinha tanta pele que parecia um shar-pei!Mas não, nada disso. O filme tinha sido depurado, sanitizado, politicamente corrigido. O factor “mulher independente, desbocada e assertiva” tinha desaparecido e as nossas “meninas” mais não eram que donas de casa desesperadas em roupas de assinatura! Fomos defraudadas! Escusado será dizer que já não fomos à sequela.AL
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Domingo, 30.10.11
Acho que não concordo muito contigo, responde ele com aquele ar entre o meditativo e o consternado ao meu comentário mundano sobre a cordialidade indonésia. Acho mesmo que ainda há alguma hostilidade contra os portugueses. Olha só o que me aconteceu quando vinha ter contigo. Chego a Denpasar e a Merpati tinha feito over-booking para o voo para cá. Foram chamando os passageiros e ficámos aí uns vinte de fora. Então o fulano diz em voz alta que há um lugar livre e pergunta se havia algum passageiro a viajar sozinho. Lima!, grito eu lá do fundo. E o gajo continua:
Not Lima! Only passengers travelling alone. E eu lá do fundo outra vez: Lima, Lima! E ele nada! Continua a perguntar por passageiros sozinhos e eu cada vez mais em desespero, de mão levantada a gritar o meu nome: Lima!Acentua a palavra com o gesto de braço bem erguido, mão aberta com os cinco dedos bem esticados no reforço do protesto. Olha que o gajo só me deu o cartão de embarque quando eu, já fulo de todo, lhe mostro o bilhete e o passaporte... Mas o que foi? Porque é que estás a rir?Oh António, lá consigo eu dizer entre lágrimas e gargalhadas, Lima em indonésio é cinco!É o quê?, insiste ele ainda sem perceber.Lima é cinco!, explico eu quase sem fôlego. Quando contamos, sabes? Um, dois, três? Em indonésio cinco é lima!AL
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Sexta-feira, 28.10.11
Vejo-a ocasionalmente quando de manhã cedo vou passear a cadela ou se, ao fim da tarde, vou à mercearia. Cruzamo-nos; eu no carro e ela a pé, com o filho nos braços. É nova, muito nova mesmo, aí pelos seus vinte anos mal medidos; ele deve rondar os dois anos de idade. Moram ao fundo da rua íngreme que, a ocidente, ladeia a quinta que temos para os lados da Costa.De manhã, vai ela subindo a ladeira com a mala a tiracolo, um saco na mão que, presumo, contenha a marmita com o almoço e lanche para o filho. Com o braço que lhe sobra abraça o menino que carrega ao colo. Ela franzina, cabelo comprido, rosto bonito e marcado já pela crueza da vida; ele faz-me lembrar as ilustrações de um livro que tive na infância e que se chamava “O Pequeno Lorde”. Cabelos louros com ondulado de anjo, repousa a cabeça no ombro dela e olha o mundo com olhos inchados ainda pelo sono. As mãozinhas papudas rodeiam o pescoço da mãe, fazem-lhe uma festa ocasional no cabelo e movimentam-se a pontuar algo que lhe vai contando.Sei que vão conversando um com o outro, não porque os ouça, mas porque lhes vejo o movimento dos gestos e o sorriso que lhe atravessa, a ela, o rosto cansado. Nada sei sobre eles, mas comovo-me sempre que me cruzo com a intimidade terna que, ladeira acima, ladeira abaixo, os une e envolve.AL
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Sexta-feira, 28.10.11
[caption id="attachment_31812" align="aligncenter" width="400" caption="Foto tirada daqui:
http://artephotographica.blogspot.com/2009/06/ricardo-rangel-1924-2009.html"]
[/caption]
Exposiçao de fotografías de Ricardo Rangel
Kulungwana - Estaçao central dos CFM, de 03 November at 18:00 - 27 November at 23:30
Uma história, mil estóriasMuitas das suas das fotografias têm uma história contada por Rangel ou pelos seus amigos. Por isso, esta exposição é como que uma história onde se reúnem e contam e se podem imaginar e criar mil estórias à volta de uma fogueira.Só vou contar aqui uma das histórias, que corre o mundo e que demonstra o espírito heróico de Ricardo Rangel. É a história de uma fotografia e que regista a história de um menino a quem chamavam “o oito” porque tinha uma marca na testa com a forma de um 8 deitado:Um dia, Ricardo Rangel soube que um criador de gado colonialista tinha marcado o seu jovem guardador de gado com o ferro em brasa, que usava para marcar o seu gado, por ele ter perdido um dos seus bois. Então, Rangel foi para Changalane e procurou o jovem durante dois dias até finalmente o encontrar. Fotografou-o. O patrão do menino queria dar-lhe um tiro, mas Rangel, armado com a sua máquina fotográfica, não teve medo das armas do patrão daquele menino.Como Ricardo Rangel disse, a fotografia foi sempre sua arma para defender, dignificar e eternizar o povo.
AL
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Domingo, 23.10.11
A resposta ao meu boa sorte veio ontem à noite já tarde.
Obrigada Mamele, vou precisar! Os meus ténis novos não chegaram a tempo, vai chover e estou a constipar-me! Bela combinação, não? Depois telefono a contar como foi.Hoje pouco depois do almoço dizia-me uma voz excitada:
Cheguei! Consegui acabar e cheguei à meta sozinha que a família atrasou-se. Nunca pensei conseguir acabar, quanto mais fazer um tempo tão bom...Era a minha filha mais nova a partilhar comigo o seu triunfo na
31.a Corrida do Tejo; a minha filha que gosta de estabelecer metas e superá-las. Porque sabe que na meta vai ter a irmã mais velha e demais família a esperá-la. Mais tarde ou mais cedo.Adoro os meus netos, mas mais ainda que os meus netos adoro as minhas filhas.AL
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Quinta-feira, 20.10.11
No carro os pais conversam sobre o carro ideal para a família em crescimento. Atrás os dois manos vão ouvindo sem grande atenção, mas decididos a não serem ignorados em tão importante decisão. Mini, sugerem os oito anos da Madalena, Mini; quero um Mini. Tomás, de quatro, não quer ficar atrás da mana e grita: e eu um Mickey!, eu quero um Mickey!AL
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Quarta-feira, 19.10.11
Resolveu há três meses assentar arraiais em Portugal. Pergunto-lhe: como te tens dado por cá? Adora, claro!, nada de novo nela afinal. E vai-me descrevendo a rotina que entretanto alinhavou na casa onde se vai instalando. Abrimos mais um caixote e diz-me ela meditativa: Há duas coisas que me intrigam. Toda a gente que conheço me diz que não há no mundo país como Portugal, que é onde se vive melhor, que não há clima com o vosso, que a vossa é a melhor comida, o melhor vinho, o melhor azeite, as melhores praias. Mas quando digo que não, que não estou em férias e que estou cá a viver, que me mudei para aqui, olham para mim com espanto e perguntam-me mas porquê?, porque largou o seu país que é tão bom para vir para aqui? Com espanto genuíno, sabes?A outra coisa que eu não entendo é o vosso horário. As pessoas aqui deitam-se tarde. Ninguém se deita antes da meia noite, uma da manhã. E apesar da vida aqui começar relativamente tarde, as pessoas levantam-se muito cedo para chegarem a horas onde querem. Levantam-se aí pelas seis e meia, sete da manhã. Tenho-me perguntado se esta nostalgia que se vos agarra, se esta negatividade que vos acompanha não será privação de sono... Olha-me interrogadora. Eu, em vésperas de emigrar, tiro mais uns livros do caixote e dou-lhe um sorriso por entre dois bocejos.AL*
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Segunda-feira, 17.10.11
Uma iniciativa CESNOVA/ Faces de Eva, em colaboração com a UMAR - Leitura Colectiva - Novas Cartas Portuguesas
Terça-feira, 25.10.2011 as 18:30, no Centro de Cultura e Intervenção Feminista (CCIF), Rua da Cozinha Económica, Bloco D, 30-M e N, Alcântara, Lisboa.
“ o preácio à edição (Francesa) de 1974, escrito por Evelyne Le Garrec e Monique Wittig, expõe o trajecto das Novas Cartas Portuguesas no país e no estrangeiro e as relações que se estabeleceram entre as autoras e o movimento feminista em França. (...) No prefácio é ainda relatado que no dia 25 de Outubro, em Paris, durante a Noite das Mulheres num teatro e numa assembleia composta, pela primeira vez, unicamente por mulheres, se ouviu a leitura de excertos das Novas Cartas Portuguesas.”Feminismos, Manuela Tavares (p 191-192) No ano em que celebramos 40 anos sobre a escrita de Novas Cartas Portuguesas, de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, nasceu uma vontade de (re)ler esta obra, sempre nova, sempre histórica, sempre feminista. O processo instaurado às autoras, depois da apreensão do livro, em 1972 provocou uma onda de solidariedade internacional. Foram várias as manifestações feministas de apoio às “Três Marias”, nome pelo qual o processo ficou conhecido, uma delas aconteceu a 25 de Outubro de 73, num teatro de Paris, onde excertos das Novas Cartas Portuguesas foram lidos por uma assembleia composta, pela primeira vez, apenas por mulheres.Inspiradas por esta acção de solidariedade para com as autoras, vamos então ler a obra, em conjunto, e (re)descobrir o prazer de uma leitura feita assim, colectivamente. Estão todos convidados a participar neste momento único.
AL
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Sábado, 15.10.11
Hoje tive o meu momento
Twilight Zone. Sentada em casa alheia, TV num canal nacional. No écran
Julian Assange de megafone na mão:
Eu sempre quis dizer ..., pára e aguarda eco da multidão em liturgia, que esta cumpre num coro:
Eu sempre quis dizer ...,
Que somos todos indivíduos!, remata Assange com sorriso de dever cumprido.
Que todos somos indivíduos!, finaliza a multidão em aplauso. E eu penso: mas eu já vi isto. Ah pois vi! Aqui, neste sketch da Vida de Brian.
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Hoje tive o meu momento <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/The_Twilight_Zone" rel="noopener">Twilight Zone</a>. Sentada em casa alheia, TV num canal nacional. No écran <a href="http://en.wikipedia.org/wiki/Julian_Assange" rel="noopener">Julian Assange</a> de megafone na mão: <em>Eu sempre quis dizer</em> ..., pára e aguarda eco da multidão em liturgia, que esta cumpre num coro: <em>Eu sempre quis dizer</em> ..., <em>Que somos todos indivíduos</em>!, remata Assange com sorriso de dever cumprido. <em>Que todos somos indivíduos</em>!, finaliza a multidão em aplauso. E eu penso: mas eu já vi isto. Ah pois vi! Aqui, neste sketch da Vida de Brian. <a href="<object width=" 640"="640"" height="360" rel="noopener"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/Zjz16xjeBAA?version=3&hl=en_GB&rel=0"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/Zjz16xjeBAA?version=3&hl=en_GB&rel=0" type="application/x-shockwave-flash" width="640" height="360" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true"></embed>"></a> AL
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Sábado, 15.10.11
Get used to opening windows wide to see what the past has done to the present, and weep quietly, quietly, lest our enemies hear broken shards clattering within us.
"The Tragedy of Narcissus" by
Mahmoud Darwish (excerpto)
When we saw the wounds of our countryappear on our skins,we believed each word of the healers.Our ailments were so many, so deep within us,that all diagnoses proved false, each remedy useless.Now do whatever, follow each clue,accuse whomever, as much as you will,our bodies are still the same,our wounds are still open.Now tell us that we should.you tell us how to heal these wounds.
“You Tell Us What to Do”
by Faiz Ahmed Faiz (excerpto traduzido por Agha Shahid Ali)
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