Leio
esta notícia e fico desinquieta, incomodada. Duas coisas me vêm a mente: uma, a quasi-histeria de há uns meses atrás pela libertação de uma iraniana –
Sakineh – condenada à morte por adultério; a outra é
Shirin Neshat.As causas de grandes indignações públicas fazem-me confusão pela desinformação que geralmente as pauta e pela manipulação mediática dessa mesma desinformação. Confunde-se a Palestina com o indefensável Hamas, defende-se o PKK curdo e esquecem-se as suas vítimas, apoiam-se os Pol Pots encapotados da actualidade. Sob o tema Irão temos Khomeini, o herói anti-Xá com poiso assente em França e tão laudeado pela
intelligentsia da época. E onde estão eles hoje? O Hamas e o PKK continuam a tiranizar aqueles que dizem representar; Pol Pot revelou-se genocida incomentado; Khomeini morto e enterrado, mas bem vivo no legado que deixou, incluindo um sistema jurídico que condena mulheres à morte por apedrejamento; a
intelligentsia provavelmente organizada em associações de apoio a (novas) causas-justas e a assinar petições contra este mesmo sistema jurídico, criado pelo herói de então.Não sou insensível e certamente que me condoo e revolto com a situação da putativa adúltera (de Sakineh e sabe-se lá de quantas mais), tal como me dói e me revolta a execução de Zarah, seja lá porque razão for. São as duas vítimas de um regime odioso e do nosso comodismo (relativismo?). Com Sakineh embandeirada em causa-justa, lucrámos todos: as ONGs promoveram a sua causa e puderam mostrar trabalho feito; os jornais e televisões mediatizaram a questão
ad nauseum; políticos farçolas vieram a público apoiar a causa em troca de simpatias eleitorais e, finalmente, nós todos, com um clicar no botão “share” do Facebook ou com uma assinatura electrónica numa corrente de email aquietamo-nos na ilusão de um mundo melhor. Ela, Sakineh, continua a apodrecer numa qualquer prisão ainda à espera da sentença adiada e não revogada. Da segunda só soubemos da sua morte, vá-se lá saber porquê.Por uma qualquer razão lembrei-me também de Shirin Neshat, talvez por ser mulher, talvez por ser iraniana, talvez por poder fazer o que faz porque vive fora do país que a viu nascer. Não sei que tortuosos caminhos mentais me levaram a ela, ou despertaram a ambiguidade de sentimentos que ela me desperta, mas isto mais não são que reflexões matinais feitas do alto do meu privilégio perante uma notícia que me entristeceu.AL