Ah como gostávamos delas! Como nos revíamos nas suas conversas! Como se pareciam connosco quando em conversas de mulherio nos juntávamos…Elas, claro, em Manhattan, com Starbucks nas mãos e Blahniks nos pés; nós, na Benard, com calçado anónimo e a chavenar Tetley. Mas falávamos do mesmo: homens, amor e sexo. Quem eles eram; onde paravam e o que faziam; como beijavam; se eram bons na…? Sim, admito que trocávamos notas e que passávamos, a elas notas e a eles homens, umas às outras.Ai, com esse não que andas a perder tempo; é só fachada! Esse? Hmmm, dei-lhe uma vez um beijo e não foi nada de especial… Aquele ainda tem muito que aprender; se tiveres pachorra… Tem cuidado que esse é um predador emocional! Não posso acreditar que ele te disse isso! Não vão acreditar com quem eu estive ontem e no que trago para contar! ...E debatíamos as ansiedades das etiquetas com o telefone; do que faço quando o vir outra vez?; do que acham que ele quis dizer quando…?; e das interrogações perplexas do já alguma vez estiveram com um que…Continuávamos pela tarde fora em conversas de bravata a desfolhar proezas; ou em conversas de desgostos amargos, a sarar feridas com a raiva vingadora das amigas; ou em conversas de sonhos de vida eterna que nem as certezas delas conseguiam resguardar do descalabro que aí vinha. Todas nós nos revíamos na Carrie, na Miranda, na Charlotte e na Samantha. E tínhamos também o nosso Mr Right para mal dos nossos pecados; cada uma o seu - Wrong em todos os aspectos menos na ilusão. Eu deleitava-me nessa cumplicidade que me acolhia depois das prolongadas ausências por terras alheias, onde via a série por atacado e com a qualidade dúbia dos videoclubes locais. Reconfortava-me esta cumplicidade, devolvia-me o sentido de pertença depois de meses a ser estrangeira em mim. Deixava-me entrar de mansinho no quotidiano não partilhado das outras e afastava-me daquilo que com elas não conseguia partilhar. Assim, estilo calçadeira para amizades interrompidas.Cada uma tinha a sua favorita e eu venerava a Samantha e os seus toy-boys! A verve com que ela os agarrava, usava e descartava! Aquilo sim é que era pinta! E ainda para mais, desbocada:
Well, I don’t know how you people do it. All that emotional chow-chow. It’s exhausting.If we could perpetually do blowjobs to every guy on earth, we would own the world. And at the same time have our hands free.Nós, e penso que muitas outras como nós, adorávamos o Sex and the City. Era como um espelho da nossa emancipação e da nossa sexualidade; assim estilo
flower-power finalmente casado com o Faubourg de Saint-Honoré. Para nós, foi o corte final com o mito da imagem em proporção inversa ao intelecto. Agora podíamos ser inteligentes, cultas e profissionais, mas também bonitas, depiladas, arranjadas, coquettes e fúteis. Mafaldinhas no corpo da Jessica Rabbit. Quase chorámos quando a série acabou! Chorámos pelo fim e por causa do fim. Onde é que já se viu! Não nos caíu nada bem que a palonça da Carrie andasse feita dama das camélias por Paris (embora o cenário fosse o adequado); que o palerma do Mr Right, depois de tudo o que lhe fez, fosse a correr com um ramo de flores (digam lá se há cliché mais piroso!) e, juntando insulto a injúria, a atolantada derrete-se que nem rebuçado em boca de bébé a começar a dentição! Valha-nos deus! Arruinaram anos, ouviram?, anos fabulosos com este fim bacoco e serôdio!Depois apareceu o filme. Fomos vê-lo juntas. Mais maduras agora, estabelecidas noutros sonhos e noutras heroínas. Com feridas de guerra e outras guerras para lutar. Mas ainda unidas pela cumplicidade desses anos. Lá metemos agora sim os Blahniks na calçada da memória e por ela nos deixámos escorregar. Hélas, a desilusão do último episódio sagrou-se com o filme. Não que fossemos à espera de um fino recorte cinematográfico, mas ao menos UMA, UMA daquelas conversas fabulosas à la Charlotte a descrever um loverboy não circuncidado:
Tinha tanta pele que parecia um shar-pei!Mas não, nada disso. O filme tinha sido depurado, sanitizado, politicamente corrigido. O factor “mulher independente, desbocada e assertiva” tinha desaparecido e as nossas “meninas” mais não eram que donas de casa desesperadas em roupas de assinatura! Fomos defraudadas! Escusado será dizer que já não fomos à sequela.AL