
A aldeia pouco mais era que pilhas de escombros sobrados do conflito e uma barraca dobrada em café-mercearia; o velhote esquálido, emaciado pela dureza do passado recente. Na mão calejada mostra-me meia dúzia de figurinhas talhadas em madeira.
Handicraft, diz-me a meia voz. Olhei curiosa para os pedaços de madeira à pressa talhados em figuras vagamente familiares – uma palhota, um Jeep com o ubíquo UN, um porco. Eram as primeiras peças de artesanato que via naquela terra, onde a “comunidade internacional”, de artesanato consumidora (e promotora), tardava a chegar. Conversamos. Fala-me da aldeia antes da destruição, conta-me a história da sua terra nascida de um monstro que se cansou do mar. Pergunta-me se também no meu país existem monstros no mar. Vasculho o baú da memória e falo-lhe das sereias, esses monstros belos – metade mulher, metade peixe – que seduziam marinheiros com cânticos de encantar. Passadas que foram semanas, apanha-me o velhote no mesmo local.
Tenho uma coisa para te dar, diz-me,
fiz-te uma sereia. Mostra-ma. Ainda que emocionada com o gesto, foi a custo que contive uma gargalhada. Pego na figura toscamente talhada, agradeço-lhe. Diz-me:
é assim, não é?, metade mulher-metade peixe. Sim, respondo-lhe, ciente do tremendo erro que seria naquela aldeia conceber ou representar uma mulher de seios desnudos. Sim, digo-lhe, e penso quantos mitos não terão nascido de mal entendidos.AL