Aqui há bastos anos, estava eu de passagem por Genebra quando me vem parar às mãos uma revista, cujo nome já esqueci, mas que tinha um artigo que me prendeu a atenção. Falava de um pintor norte-americano que pintava dinheiro; pintava notas de dólar com as quais transaccionava bens e serviços. Tudo teria começado por um serendipismo, quando uma empregada de café propôs ao nosso artista trocar o café e o donut que ele acabara de consumir pela nota de 1 dólar que ele tinha acabado de pintar no guardanapo de papel. O total da conta eram 90 cêntimos e o nosso artista,
James Stephen George Boggs de sua graça, recebeu ainda 10 cêntimos de troco. Foi este o primeiro dia do resto da sua vida. Passou a pintar notas de dólar, francos, marcos, pesetas… Ou seja, passou a “imprimir” a sua própria moeda com a qual tem pago bens e serviços, numa completa subversão do
establishment monetário. As suas notas não eram vendidas (por si) a coleccionadores mas tão somente transaccionadas e Boggs encorajava as pessoas a fazerem-nas circular, pagando com elas outros bens ou serviços adquiridos a terceiros. Depois indicava aos coleccionadores onde eles poderiam ir adquirir as suas notas; assim as inflaccionava. Para Boggs isto mais não era que uma performance artística.Tentativas de o processar por falsificação têm sido inúmeras mas vãs, uma vez que não havia pretensão de falsificar moeda internacionalmente reconhecida e ambas as partes envolvidas na transacção estavam cientes do que se estava a trocar: uma pintura de dinheiro pelo bem consumido ou serviço prestado. Apesar disto Boggs viu toda a sua arte e bens serem penhorados pela
United States Secret Service Counterfeiting Division em 1990 e tem-se debatido desde então para que esta o processe, ou lhe devolva os bens.Diz Boggs que uma nota mais não é que uma pintura num pedaço de papel e que o seu valor não passa de um acto de fé: acreditamos que a nota realmente vale o que diz valer. Como a recente crise financeiro veio demonstrar, Boggs não está provavelmente longe da verdade. Resta-me dizer que a grande notoriedade de Boggs se iniciou, oh ironia das ironias!, na Suíça! Hoje tem obras suas no British Museum, no Art Institute of Chicago, no Museum of Modern Art e no Smithsonian Institution. Confesso-me rendida a esta forma de radicalismo social, como lhe chamam. Porque me lembra de uma forma divertida que o dinheiro, esse vil metal (ou papel moeda neste caso), não passa também ele de uma mera abstracção. A crise infelizmente, essa é bem real...Mais sobre Boggs
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